Quando Aarão Reis desenhou o projeto da nova capital de Minas Gerais no final do século XIX, ele imaginou uma cidade moderna, organizada, com amplas avenidas e espaços bem definidos. Mas quando a gente observa com detalhes essa planta, percebemos que várias propostas nunca saíram do papel e, muitas delas, são bem curiosas.
Uma das mais emblemáticas é a Catedral de Belo Horizonte, que ficaria no ponto mais alto da cidade: no final da Avenida Afonso Pena, com a Serra do Curral ao fundo e uma vista deslumbrante!
Neste artigo, vamos entender de onde veio essa ideia e por que ela não foi adiante.
O sonho de Dom Cabral
Em 1922, chega a Belo Horizonte o primeiro arcebispo da capital, Dom Antônio dos Santos Cabral. Ele veio com a missão de instalar a recém-criada Diocese de BH (instituída em 1921 pelo Papa Bento XV) e logo percebeu que a cidade ainda carecia de estruturas religiosas à altura de seu projeto político e urbanístico.
Naquela época, BH contava apenas com três igrejas: a Igreja de São José, a Nossa Senhora da Boa Viagem e a pequena Capela do Rosário.
Dom Cabral escolheu a Boa Viagem como catedral provisória (sim, ela foi provisória por quase 90 anos!), mas já sonhava com algo muito maior: uma catedral monumental dedicada ao Cristo Rei. Era o início de um projeto que acompanharia toda a sua vida.
Um projeto megalômano no alto da cidade
Para dar forma a esse sonho, Dom Cabral recorreu ao renomado arquiteto austríaco Clemens Holzmeister, conhecido por suas construções monumentais na Europa.
O projeto era ousado: capacidade para 12 mil pessoas, uma cúpula imensa, estátuas de anjos em pé e uma torre tão alta quanto a da Basílica de São Pedro, no Vaticano. Dá pra imaginar?

Antes do início das obras, foi instalado um cruzeiro de madeira no local, como forma simbólica de consagrar aquele espaço. Esse cruzeiro deu nome à área, que passou a se chamar Praça do Cruzeiro, nome que também inspirou o tradicional bairro Cruzeiro, na região Centro-Sul.
A cripta soterrada e o projeto abandonado
As obras começaram pela fundação. Foi construída uma cripta subterrânea, espécie de porão onde seriam guardados objetos religiosos e relíquias. Essa estrutura permanece enterrada até hoje, debaixo da atual Praça Milton Campos, no encontro da Avenida Afonso Pena com a Avenida do Contorno.
Mas, por questões financeiras, a construção não avançou. A cidade crescia, os desafios eram muitos, os recursos, escassos. A Catedral Cristo Rei foi sendo adiada até ser, finalmente, abandonada. Mesmo assim, Dom Cabral nunca desistiu oficialmente do projeto. Ele faleceu em 1967 ainda acreditando que a obra seria retomada.
De cruz a cruzamento
Com o tempo, tanto a região, como a Praça do Cruzeiro, foram se transformando. Na década de 1940, Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, chegou a anunciar mudanças para a área, dizendo:
“A Avenida Afonso Pena, asfaltada no início de minha administração, e cujo prolongamento, em execução, demanda a Serra do Curral, sofrerá no alto da Praça do Cruzeiro modificações profundas e embelezadoras, destinadas a acolher a grande catedral que o gênio inspirado de Dom Cabral fará erguer para enlevo da alma católica de Minas.”
Mas a tal catedral não veio. Nos anos 1980, a praça foi cortada ao meio para dar vazão ao trânsito intenso entre duas das principais avenidas da cidade. E o nome mudou para Praça Milton Campos, em homenagem ao ex-governador, advogado e jornalista que comandou Minas nas décadas de 1940 e 1950.
Hoje, o local é mais cruzamento do que praça, apesar de carregar uma história enterrada bem ali, sob os pés dos que passam apressados.
A nova Catedral Cristo Rei, mas em outro lugar
O sonho da Catedral de Belo Horizonte só voltou a ganhar forma muitas décadas depois. Nos anos 2000, o arcebispo Dom Walmor Oliveira de Azevedo convidou ninguém menos que Oscar Niemeyer para assinar o projeto da nova Catedral Cristo Rei.

Niemeyer topou. A nova catedral seria seu último projeto para BH e começou a ser construída em 2013, na Avenida Cristiano Machado, no bairro Juliana, região de Venda Nova, longe da antiga Praça do Cruzeiro. A obra segue em construção até hoje.
A cripta esquecida da Praça Milton Campos
Referente à cripta construída nos anos 1930, não se sabe ao certo onde ela está. A única certeza é que ela está lá, silenciosa, abaixo da Praça Milton Campos, guardando os vestígios de um sonho monumental que nunca se concretizou e que poucos belo-horizontinos conhecem.