Sempre falamos do quão grandiosa foi a construção de Belo Horizonte para aquela época e dos ideais republicanos presentes no projeto.
Porém, essa história tem um capítulo triste de segregação que praticamente tentou ser apagada, mas que vem sendo resgatada por muitos profissionais e estudiosos do assunto.
Todos os dias, milhares de pessoas passam pelo Largo do Rosário em BH e muita gente nem sabe da sua existência. Mas antes de chegamos no local onde hoje se encontra esse ponto importante para a cidade, vamos conhecer um pouco da história por trás dele.
A história do Largo do Rosário
Após a Proclamação da República e o rompimento com o período imperialista, a nova capital de Minas precisava ser uma cidade moderna e inovadora, inclusive definiriam o tipo de pessoas que nela iriam viver. Certamente a população preta e pobre não estaria nesse modelo.
A história do Curral del Rey tem início em 1711 e termina em 1897. Foram exatos 186 anos, mais do que a própria Belo Horizonte com sues atuais 126 anos.
A população deste arraial era majoritariamente preta, com cerca de 72% do total. Além disso, essa população utilizava o antigo Largo do Rosário como um espaço de socialização.
A rua do Rosário seguia mais ou menos o traçado da atual rua dos Guajajaras e terminava nesse largo onde tinha a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Ao lado dela havia um cemitério para essa comunidade, como era de costume naquela época. Tanto a igreja como o cemitério tinham a autorização de Portugal para serem construídos.
O largo ficaria onde é, atualmente, a Rua da Bahia com a Rua Timbiras, conforme mostra o mapa abaixo:

Um passado apagado – e demolido
Como dissemos, o projeto da construção da Nova Capital traria novos tempos, novos espaços, novas construções, então tudo que estava no perímetro dentro do traçado da Avenida do Contorno, antiga 17 de Dezembro, estava fadado à demolição.
Se a própria matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem foi demolida, imagina então essa pequena capela de um povoado preto?
Para que a demolição da Capela do Rosário fosse aceita – se é que eles tiveram alguma escolha – houve um acordo entre o então governador de Minas Afonso Pena e o bispo de Mariana que garantiram a construção de outra capela para atender aquela comunidade, mas não foi bem assim que aconteceu.
Essa nova capela foi construída e existe até hoje, é a aquela capelinha do Rosário, que alguns chamam de Capela de Santo Antônio, na esquina da rua São Paulo com Amazonas. Inclusive ela foi a primeira igreja de Belo Horizonte, construída em setembro de 1897, tres meses antes da inauguração da cidade.
Perceba que agora ela é apenas a Capela do Rosário, não mais capela Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Isso muda completamente o significado dela, já que a igreja católica queria se afastar das comemorações do Congado, entre outras festas de tradição africana que estavam sempre presentes no antigo Largo do Rosário e faziam parte daquela comunidade.
Para se ter uma ideia, o Bispo Dom Cabral, proibiu que essas manifestações culturais afro-brasileiras acontecessem. Ele entendia que esses rituais não estavam ligados às tradições da igreja católica, em outras palavras, um ato de preconceito.
O afro-patrimônio do antigo Curral Del Rey foi completamente demolido e os poucos vestígios que sobraram dele na nova capital mineira ainda tentaram ser apagados da história.
Essa grande população preta e pobre foi expulsa e empurrada para as periferias. Muitos deles se mudaram para Venda Nova, que já existia, mas ainda não pertencia a Belo Horizonte
O Largo do Rosário atualmente
Em 2022 houve uma polemica envolvendo uma construção na esquina da Timbiras com rua da Bahia.
Grupos do movimento negro de Belo Horizonte fizeram uma manifestação exigindo a presença de um arqueólogo na construção, para que qualquer artefato arqueológico, possivelmente encontrado, não fosse danificado.
O Iphan foi acionado, pediu a paralisação das obras, mas como nada foi encontrado a construção seguiu.
Essa mobilização também se deve ao fato de que não houve, ou pelo menos, não há nenhuma comprovação de que ocorreu uma exumação e transferência dos corpos sepultados no Largo do Rosário para o cemitério municipal da época, no bairro do Bonfim.
Portanto, há muitos corpos que estão literalmente enterrados debaixo do asfalto que passamos.
Também em 2022, a Prefeitura de Belo Horizonte reconheceu o território do Largo do Rosário como Patrimônio Cultural Imaterial da cidade. O espaço ganhou um totem com a história do local. Ali perto também tem uma obra da artista Criola, chamada de Ori, que significa cabeça em Yorubá.

Por trás de todas essas camadas da cidade está uma história que não volta ficou por baixo do asfalto, mas que confirma aquele lugar como um local de muita representatividade. Permitir que hoje a população tenha conhecimento desta história é o mínimo que a gente pode fazer.
Quem nos explicou essa história foi a querida Marcelina Almeida, professora de História da UEMG, que também é responsável pelas visitas guiadas ao Cemitério do Bonfim. Ela também nos apresentou o Padre Mauro, que é diretor e curador do Muquifu, o Museu de Quilombos e Favelas Urbanas, no Morro do Papagaio, que também cuida do projeto Negricidade, que reaviva memórias dos antigos moradores do Arraial do Curral Del’ Rey.
De agora em diante, sempre que passar pela rua Timbiras com Bahia, você pode se referir a ele como o Largo do Rosário.